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sábado, 21 de março de 2009

...Sabes também que já não poderias voltar atrás, que
estás inteiramente subjugado e as tuas palavras, sejam
quais forem, não serão jamais sábias o suficiente para determinar
que essa porta a ser aberta agora, logo após teres dito tudo, te
conduza ao céu ou ao inferno. Mas sabes principalmente, com uma
certa misericórdia doce por ti, por todos, que tudo passará um dia,
quem sabe tão de repente quanto veio, ou lentamente, não importa.
Só não saberás nunca que neste exato momento tens a beleza
insuportável da coisa inteiramente viva.

Caio Fernando Abreu
[Morangos mofados]

terça-feira, 3 de março de 2009

"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi. Assim fiquei eu...Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus grilhões - cortei em mim a forma que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também a minha força. Ouça: respeite mesmo o que é ruim em você - respeite sobretudo o que imagina que é ruim em você - não copie uma pessoa ideal, copie você mesma - é esse seu único meio de viver. Juro por Deus que, se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia ia ser punida e iria para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não é ser punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo o que sua vida exige. Parece uma vida amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse minha vida sem eu saber. Ver o que pode suceder quando se pactua com a comodidade da alma".

Trecho publicado pelo escritor Caio F. Abreu no ano de 1995. É, talvez, uma carta de Clarice Lispector escrita a uma amiga brasileira.